Já têm algumas semanas que venho contemplando sobre as formas possíveis de nos relacionarmos com a vida com base nos estudos dos textos clássicos do yoga. A reflexão que me vem de inicio é de um tom muito sensível, pois ela começa a partir do reconhecimento de nossos sofrimentos. Todos percebemos diariamente o quanto surgem dentro de nós experiências que são dolorosas, limitantes e angustiantes não é mesmo? E quando pelo esforço imaginativo percorro a estrada da mente voltando um pouco no tempo, vejo que sofremos pelas nossas próprias ações ou pela forma na qual estamos percebendo nossas relações.
O yoga nos diz que a causa de tais ações que levam à estes efeitos penosos é a nossa incapacidade de distinguir aquilo que é percebido daquilo que percebe. Profundo… Isso inquestionavelmente nos faz indagar o que são estas coisas. Num primeiro momento acreditamos que o que percebemos são apenas os objetos externos; é o outro, o meu café, o meu trabalho e por ai vai. Mas não é só isso, pois as ferramentas que permitem nosso relacionamento com o meio afora também são evidentes, quando tomo meu café de manhã, sinto aquele aroma tão familiar no ar que me agrada e é na minha mente que reconheço os valores que são colocados neste hábito comum em meu dia-a-dia. Logo os sentidos e a mente são também atingíveis.
E o que seria isso que percebe? O yoga dá a direção dizendo que há em nós uma verdadeira natureza mais profunda, elevada. Fonte de vida e centro de consciência, nosso real ser. Uma estrutura interna mais sutil que não é tocada pelas perturbações mundanas e de onde se originam todas as mais nobres sabedorias e expressões amorosas.
Bom, comumente estamos distantes da recordação desta natureza de caráter superior, dado que acreditamos ser aquilo que é percebido. Sou tal pessoa, que faz tal trabalho, que gosta de tal coisa. E quando qualquer um destes elementos que compõe aquilo que me dá esta noção de identidade se modifica surge uma perturbação. Todas estas estruturas manifestas devem cumprir um importante papel em nossas vidas com certeza, mas se tomarem lugar de realeza as consequências tenderão a ser dolorosas, pois elas compartilham uma natureza mutável. A partir destes enganos todos a nossa relação com o mundo vai na direção da satisfação através dos sentidos e assim tornamo-nos vulneráveis as influências de tudo que nos cerca, como toras jogadas ao mar.
A vida como um fim nela mesma, servindo apenas para a experiência de prazer nos mantêm no sofrimento. Mas ela servindo como ferramenta para o autoconhecimento, para a aproximação de nosso próprio ser, para o desenvolvimento de clareza, pode ser maravilhosa!
Nosso ser percebe através da mente e se relaciona a partir dela e dos sentidos, portanto é interessante perceber que se estas janelas que estão entre o intimo intocável e os objetos externos estiverem turvas nada será bem aproveitado. Daí vemos a importância em cuidar da forma na qual vivemos e nos nutrimos, pois todos os nossos hábitos no cotidiano causam algum impacto nessas nossas estruturas mediadoras, afinal compartilham qualidades inerentes relacionadas a materialidade. O cafézinho que tomo cedo de manhã as vezes me traz um momento de reflexão, de desfrute saudável e favorece meu dia em boa direção, mas outras agita minha mente, causando uma bagunça que atrapalha todo o desenrolar das coisas.
Essa outra forma de nos relacionarmos com o mundo vai no sentido de proporcionar os meios para nos auxiliar no desenvolvimento de clareza, ou seja de nos liberar de nossas compreensões errôneas e nos aproximar da nossa natureza real. E quando isso passa a ser levado à prática, o resultado além da conquista gradual de sabedoria é também uma experiência de desfrute, de prazer mesmo, mas de cunho sublime. Diferente dos prazeres efêmeros – que tendem a causar danos e seguem alimentando padrões inconscientes – esse desfrute altivo, este maravilhamento, continuará servindo de pão de sabedoria, um alimento que nutre e anima para a continuação da caminhada, de uma forma saborosa e viva.
प्रकाशक्रियास्थितिशीलं भूतेन्द्रियात्मकं भोगापवर्गार्थं द्र्श्यम्
praksākriyāsthitiśīlaṁ bhūtendriyātmakaṁ bhogāpavargārthaṁ dṛśyam
YOGA SUTRAS DE PATAÑJALI – 2.18