O yoga é essencialmente um caminho de autoconhecimento que pode nos ajudar através de seu método muito bem estruturado, comprovado e protegido dentro de uma linhagem tradicional que vem sendo passada de professor à aluno.

Quando falamos de uma busca por se conhecer remetemo-nos ao reconhecimento de que na grande maioria das vezes este interesse desponta a partir da experiência da dor. Quando nos percebemos presos em nós mesmos, limitados a um pequeno quarto escuro com pouca quantidade de ar para respirar é comum que procuremos as formas para iluminar este salão e nos libertarmos deste auto confinamento pesaroso. O primeiro passo é tomarmos consciência de nosso sofrimento.

Em seguida, através das nossas próprias investigações e descobertas íntimas, mas também do auxílio de uma herança confiável de conhecimento como é o yoga, vamos reconhecendo as causas de nosso amargor interno. Existem fontes que originaram essa condição percebida. Veja, a luz está apagada, não há visibilidade, portanto não há sabedoria. O yoga nos aclara que o primeiro grande obstáculo interno, causador de tamanha angústia é a ignorância. Quando esquecemos de nossa verdadeira natureza, que é pura, fonte de vida e consciência, a escuridão se faz presente irrompendo uma sequência de enganos e sofrimentos.

Logo, pela ânsia em sentirmo-nos seguros, nos agarramos a tudo que possa ser percebido e então nos trancafiamos em um quarto apertado, formando identidades enganosas com tudo que não somos. Acreditamos ser o corpo, a profissão, etc. E uma série de outras formas mentais relacionadas ao que experienciamos na vida humana também vão compondo o segundo obstáculo que é a falsa identidade. Dela nascem os dois seguintes na tentativa de proteger a continuidade desse castelo de areia que fomos construindo. Criamos apegos pelos objetos e situações que de alguma forma promovem prazer. Os desejamos frequentemente, robustecendo esse falso sentimento de nós mesmos. E forjamos sentimentos aversivos, reativos a tudo que não nos é familiar ou que nos traz sofrimento e ameaça essa identidade.

Mais abaixo desabrocha o quinto obstáculo, o medo. Medo da extinção, da morte. Uma insegurança causada pela intuição de que toda esta estrutura interna não conseguirá nos proteger do sofrimento, pois está vinculada a realidades temporárias, distantes da nossa verdadeira natureza. Tememos perder algo que sabemos que é impossível de sustentar para sempre, pois estamos identificados com formas materiais que no fundo sabemos que estão sujeitas a mudanças e transformações constantes.

Todos estes obstáculos internos são inconscientes, eles partem da falta de sabedoria. Mecanicamente produzem ações equivocadas que geram consequências danosas e reforçam hábitos e marcas mentais nessa direção descendente e prejudicial. Reconhecer a existência deles e começar a compreendê-los pelo estudo confiável e a investigação interna é um segundo passo após o contato com o sofrimento inicial.

Mas o yoga nos diz algo que toda tradição genuína de autoconhecimento também apresenta; existe um lugar dentro da gente que não é tocado por toda essa dor e confusão. Uma realidade superior em nós mesmos, uma natureza mais profunda e verdadeira. Esse é o nosso real ser, que muitos podem se sentir a vontade em chamar de divindade particular. É desse ponto que advém a vida e da onde parte a consciência. Quando praticamos, buscamos nos aproximar de forma sensível deste, e nos integrar a esta força superior. Assim vamos alcançando mais paz, contentamento e sabedoria. Vamos caminhando em direção ao interruptor da sala e o girando pouco-a-pouco para que a luz aumente.

Para alcançar tal objetivo luminoso precisamos remover gradualmente o que impede a percepção clara. Estes obstáculos devem ser reduzidos a poeira cósmica para que se faça a luz. É um processo longo, lento e para vida toda, que tem como propósito nos liberar de nossos sofrimentos, favorecendo a auto realização íntima do ser, o autoconhecimento profundo, sutil e completo. Para a execução deste tipo de trabalho interno que acontece no cotidiano, precisamos reconhecer um método eficiente que nos conduza com êxito à eliminação das causas do sofrimento.

Em vista de que somos humanos é necessário entendermos que o erro é comum à todos os seres, a inconsciência é grande em mim e em você. Logo é fundamental olharmos para essa jornada com paciência e muita amorosidade, o julgamento e a culpa sobre nossos tropeços e mazelas só tornam a experiência mais dura e dolorida. Por isso também, tradicionalmente no caminho do yoga precisamos de um professor compassivo e dedicado para nos ajudar com bastante empatia e sabedoria. O yoga ainda nos entrega diversas ferramentas que irão cumprir um importante papel de reduzir os sintomas mais aparentes, apaziguar as chamas descontroladas em nós. Práticas de āsanas, prānāyāmas, meditações… Mas também podemos ser apoiados nesse sentido com outras coisas que venham servir, como correções na alimentação, sono, rotina, uso de chás, leituras, cantos, atividade física, etc.

Na medida que esses passos iniciais vão sendo dados e começamos um relacionamento com nosso professor ou um vínculo sério com algum outro caminho legítimo de autoconhecimento, vamos percorrendo a longa estrada que conferirá a redução das causas mais profundas do sofrimento.

O conhecimento que dá base para este desenvolvimento no yoga é chamado de Kriya Yoga (Yoga da Ação/ do cotidiano). E o método é composto por um tripé terapêutico. O primeiro está relacionado a toda ação que vai na direção contrária dos obstáculos internos, para não sermos levados pela ignorância. O segundo é o conhecimento; um alicerce teórico que nos traz a capacidade de discriminação e a partir daí o nosso próprio auto estudo. E o terceiro é o reconhecimento de uma força que está além de nós e uma forma sábia de relacionar-se com ela. É uma aceitação, uma entrega, uma devoção.

Esses três conceitos levados à prática nos concederão a capacidade de lidar melhor com as nossas marcas mentais e de manejá-las. E nos levarão gradualmente a eliminação dos obstáculos internos e suas consequências dolorosas. Abrindo assim a densa mata espinhosa que bloqueia os lúcidos raios do sol.

Yoga Sutras de Patañjali 2.1

tapaḥsvādhyāyeśvarapraṇidhānāni kriyāyogaḥ  
तपःस्वाध्यायेश्वरप्रणिधानानि क्रियायोगः

A prática de yoga deve reduzir as impurezas mentais e físicas. Deve desenvolver nossa capacidade de examinarmos a nós mesmos e nos ajudar a compreender que, em última análise, não somos os senhores de tudo que fazemos.

TRADUÇÃO DO LIVRO ‘’O CORAÇÃO DO YOGA’’ DE T.K.V. DESIKACHAR.