O segundo pilar do yoga no cotidiano é svādhyāya; é o auto estudo, que inteligentemente começa pelo estudo a partir de fontes confiáveis. No nosso dia-a-dia passamos por diversas situações que pela falta de sabedoria acabamos por nos relacionar de uma forma inadequada e então temos má colheita. A questão é que não entendemos muitas coisas sobre nós mesmos, sobre a vida e sobre como nos relacionarmos com ela… Parece que caímos de paraquedas nessa escola diária, passamos por diversas provas, porém sem ter a base para nos sairmos bem. Infelizmente não é comum em nossa sociedade moderna que recebamos uma boa estrutura de sabedoria voltada ao autoconhecimento. Dessa forma vamos tentando a trancos e barrancos lidar com tudo que nos aparece dentro e fora de nós, mas sem nenhum fundamento. Seria como pensarmos em chegar a pé em algum lugar distante que não conhecemos, sem nenhum mapa ou orientação. As chances de conseguirmos seria muito baixa, não impossível, mas realmente improvável. Para realizarmos tal feito precisaríamos confiar em uma tecnologia já construída, como um veículo, e também na guiança de um mapa digno ou de uma pessoa que já conhece o caminho, correto?

Para nos tornarmos capazes em qualquer área profissional nós dedicamos tempo de estudo com bons livros e professores, necessitamos também de tempo de experiência, para só então conseguirmos cumprir com tais funções eficiente e seguramente. Se quiséssemos aprender uma atividade sozinhos, sem o apoio de estruturas já existentes provavelmente morreríamos sem conseguir. Não seria nada esperto não nos valermos dos conhecimentos que já estão aí, seria sim um desperdício. Grandes professores e mestres passaram por aqui e se dedicaram com amor e intensidade para nos deixarem heranças valiosas de conhecimento. Com o caminho de autoconhecimento é assim também. Devemos ser gratos por poder ter acesso à sabedorias tão bem ordenadas para nos ajudar, como é o yoga dentro de uma abordagem tradicional e também alguns outros caminhos genuínos que existem.

O yoga é um método muito bem organizado e íntegro, que é comprovado por diversos professores e alunos e protegido dentro de uma linhagem. E ele pode ser experienciado por cada um de nós mesmos. Como disse antes, existem outros caminhos assim e talvez nos sintamos interessados em conhecer muitos. No inicio isso pode ser interessante, mas gradualmente será importante que venhamos entendendo como minerar numa única direção, mesmo que aja a presença de mais de um formato compondo nosso jeito de percorrer a jornada. Se quebrarmos muitas pedras apenas superficialmente dificilmente encontraremos os minérios preciosos mais profundos.

Quando então nos sentimos realmente interessados em nos conhecer, a senda se abre, nos vinculamos a um professor e a um estudo sério, continuado, e pouco-a-pouco vamos descobrindo a via dentro de nós mesmos.

atha yogānuśāsanam
अथ योगानुशासनम्
’’Aqui começa a instrução autorizada sobre yoga.’’

YOGA SŪTRA DE PATAÑJALI 1.1

O yoga nos fala então que há três meios de conhecimento que juntos compõe a construção rumo à sabedoria. O primeiro, ou terceiro, pois esta ordem pode variar conforme a idade e a individualidade, é receber o ensinamento. Escutamos e lemos atentamente o ensino a partir de uma fonte confiável, formando uma base intelectual. Identificamos tal fidelidade sobre a origem do conhecimento percebendo a coerência do mesmo e de quem lhe passa, a estrutura por trás de tais ensinos e também pela nossa própria intuição. Normalmente não saímos desse degrau inicial, deixamos as palavras morrerem no solo da nossa mente sem antes germinarem, crescerem e frutificarem. Deveríamos seguir mais à segunda forma de aquisição do saber, que é a reflexão… É necessário organizarmos nossos estudos, pensarmos sobre como tal conceito se aplica em nossa vida, quem sabe escrevermos sobre o que entendemos, revisarmos os textos, vídeos e anotações. A repetição é fundamental para o aprendizado. Frequentemente no yoga, recebemos versos, frases ou orações para recitar durante o dia, de forma a invocar novamente aquele tema para se refletir. Assim vamos inserindo esse estudo no cotidiano.

Ao longo do processo vamos galgando a última forma, que também pode ser precedente em alguns casos: a percepção direta. É quando começamos a comprovar por nós mesmos aquele ensino, de fato o transformando em uma sabedoria íntima e pessoal. Num primeiro momento essa percepção direta se relacionaria com aquilo que é captado através dos sentidos, de maneira mais superficial. Como por exemplo quando agimos de tal jeito e nos sentimos mal, poderíamos começar a refletir a partir daí que há algo errado e somente depois buscar algum aprendizado que trará uma clareza sobre a questão, favorecendo a mudança. Mas olhando mais profundamente esse tipo de conhecimento se desenvolverá em uma percepção mais sensível também, uma experiência superior, interna, que acontece através da auto-observação e que nos levará às comprovações dos conceitos mais sutis que já foram recebidos previamente.

pratyakṣānumānāgamāḥ pramāṇāni
प्रत्यक्षानुमानागमाः प्रमाणानि
‘’O conhecimento se estabelece quando escutamos o ensinamento, refletimos sobre o mesmo e então o experienciamos’’.

YOGA SŪTRA DE PATAÑJALI 1.7

Svādhyāya é então o pilar que nos confere a sabedoria, ele é de tipo teórico em parte, pois precisamos de uma base que conduza de forma assertiva no propósito de nos auxiliar na remoção dos nossos obstáculos internos e na integração cada vez maior com a nossa verdadeira natureza. Por este motivo cada pessoa terá contornos únicos em seu percurso e para isso um bom professor pode ser essencial. Uma pessoa dedicada em seu próprio caminho, que possa nos acolher, invocar o conhecimento necessário no momento certo e adaptá-lo à nós adequadamente.

Mas svādhyāya é também muito prático. É aquele estado que surge da vontade consciente em se conhecer, em investigar e descobrir, compreender. É a auto-observação sensível, que vai permitir que conheçamos cada canto escuro de nossa própria casa interior e que também favorecerá a revelação das forças superiores que iluminam e estimulam a florescência em nosso jardim secreto. A observação de si mesmo é como acender um lampião dentro da gente, com essa atenção aguçada ao mundo interno, junto a um conhecimento verdadeiro que tem sido construído conscientemente na forja de nossa mente, teremos as ferramentas necessárias para seguir avante no objetivo principal que é o autoconhecimento.

‘’Não há fracasso para aquele que age em busca de autoconhecimento’’

BHAGAVAD GĪTĀ 2.40