Daminano era um homem baixo porém muito forte, campeão em seu país nas artes marciais de solo. Mas já fazia um tempo que buscara um outro caminho que pudesse trazer mais benefício à humanidade. Num tempo de folga ele viajou mais ao norte do mundo. Foi até uma pequena cidade litorânea buscando paz e sabedoria à sua jornada.

Logo nos primeiro dias que passara nesta localidade ele percebeu que toda a geografia das regiões próximas às praias tinham sido escavadas. A natureza local fora claramente afetada negativamente em prol de mais espaço para o desfrute humano, pensou ele. E claramente alguns alagamentos e desbarrancamentos de terra que ele percebeu nos poucos dias que estivera ali eram ocasionados por tal interferência artificial.

Como uma pessoa dedicada e bem disposta, começou a trabalhar no sentido de minimizar essas catástrofes naturais que estavam acontecendo. Com resiliência inabalável, passava o dia puxando grandes carrinhos de mão de terra de um lugar para o outro, usando pás e enxadas avidamente também em sua suada labuta altruísta. Fazendo tudo para melhorar a condição do terreno a partir de conhecimentos prévios que tinha sobre o tema. Acreditava, é claro, que estava fazendo bom uso do domínio sobre seu corpo e também da sabedoria sobre o manejo do solo. E em pouquíssimos dias já despontavam bons resultados de seus esforços.

Numa ensolarada manhã, enquanto caminhava rumo ao dever que tinha tomado para si, Damiano se depara com um grupo de homens nativos que atravancavam seu avanço. Um deles, o maior, se adianta demonstrando abertamente a intenção de brigar. Damiano suspeita se isso teria alguma relação com seus serviços voluntários, mas não entende bem o motivo de tal investida. Porém, dada a situação e as marcas de seu passado marcial, de forma ágil decide entrar na luta. Ele mesmo não enxergou outra saída, devido ao apetite da surtida por parte do opositor. Mas também sentia-se muito seguro por ser um grande lutador.

Uma luta se inicia entre os dois, e são como ursos em um embate. Ora um é arremessado, ora outro é imobilizado e logo se escapa. Perceptível é tamanha pressão dos poderosos golpes e agarrões que se sucedem, pois quando a mão de um se escapa do corpo do outro, os sons que retumbam sopram a areia do chão para longe.

O combate se arrasta pouco a pouco ao mar, e na massa líquida continuam a lutar, cada vez mais ao fundo. A tensão aumenta por estarem molhados e desequilibrados pelo balanço das ondas e pela diferença na sensação de peso nos membros submersos. Mas como um leão, o adversário aproveita sua maior altura e dá um bote de cima para baixo, empurrando a cabeça de Damiano para baixo d’água. Rápido tipo um raio! A última coisa que Damiano viu foi seu oponente saltando, a praia à esquerda, o céu azul com poucas nuvens e a linha do mar, escura e espumada, subindo cada vez mais, até que ele penetrasse na escuridão. Pela primeira vez talvez, Damiano sentiu-se impotente, não conseguia tirar sua cabeça da água, os braços que o seguravam eram mais fortes. Não podia respirar, pois o mar substituía o ar ao seu redor. Assim, espasmava se afogando. Em intensa agonia e sem controle algum da situação iminente, Damiano não pôde fazer nada, senão ser arremessado ao vazio independente de sua vontade. De um instante ao outro sua aflição desapareceu, seu nome já não valia nada, seu corpo robusto se dissolveu em uma sensação leve e disforme. Foi como se uma garrafa de água se quebrasse aos pés do grande oceano, ele sabia que era aquela garrafa e se orgulhava dela, mas quando tal objeto se despedaçou a sensação de vida continuou e se fundiu em algo maior que antes não havia sido considerado.

Os outros sujeitos retiraram Damiano do mar e o reanimaram. Este acordou atônito e sentou abruptamente com a vista estática no horizonte. Ele escuta, sem mover um dedo, seu competidor dizer enquanto se afasta junto aos comparsas: ‘’Eu o matei, mas sabia que vocês podiam ressuscitá-lo’’.

Damiano não se mexe, apenas contempla a imensidão do mar enquanto fica sozinho na beira da praia. Sua mente perplexa busca iluminar-se a partir do acontecido. Ele quase perdera a existência, e por quê? Tudo que havia construído fora reduzido a nada naquele instante. Em silêncio, Damiano abraçou sua nulidade perante o oceano e a realidade, sua consciência passou a reconhecer algo maior do que a si mesmo, algo além de seu alcance. Em seu intelecto não havia um entendimento claro sobre todo o ocorrido, mas o sentimento de uma nova chance era vívido. E agora ele acolhia sua fragilidade e a existência de uma força superior a sua própria. Dali em diante ampliaria sua visão de si, da natureza e do outro, assumindo que há todo um palpitar de vida imenso que ultrapassa seus próprios contornos, compreensão e controle.

Na orla, misturado à paisagem, Damiano contempla assombrado, reflexivo. No fundo ele sabe que a luz que estava buscando em sua viagem deverá acender a partir das sombras que foram evidenciadas na experiência.