Ela é uma pessoa comum como qualquer um de nós, os sentimentos dela são normalmente tão abstratos como os seus e como muitos; ela quer se entender, quer ser feliz…
Ela para de frente à uma montanha alta, está um belo pôr do sol. Se apoia em um limoeiro bem cheiroso para sentar-se, enquanto observa a vasta floresta que antecede os cumes iluminados das colunas do mundo. Sentada, ela conversa consigo. Refletindo… Pausando a cada tema levantado… De uma forma muito mais detida do que é possível descrever.
‘’Existe algo dentro de nós… Algo maior, sinto que existem muitos lugares, um encanto, ou aventuras, lá no fundo. É uma sensação de vida ali no peito… Parece que o coração transborda em ondas invisíveis que não podem ser contidas. Leva à um sentimento colorido que não poderia ser imaginado.
Já entendi essa chispa interior como a necessidade de suprir, me preencher com experiências que me pintem, que tragam para mim a sensação de que estou viva, aqui e agora. Fui atrás, é claro, durante um bom tempo de situações ou coisas em geral que me concedessem esse sabor que buscava. Mas ao longo da caminhada, percebia que o que que vinha de dentro, não podia ser completado pelo que estava fora. Quantos anseios, quantas tentativas! Sustentava-se um calor que continuava me movendo em direção aos estímulos mais bem elaborados e interessantes, e isso ainda existe. Sou humana afinal.
Mas a inclinação sentimental parece-me mais profunda, mais sensível do que o vago sentido de aventureira. Quero me conhecer! Quero conhecer os mistérios da vida e da morte, desbravar as cortinas da natureza! Seria para aí onde levam os impulsos cardíacos? Parece-me que vai além de uma mera busca de manter o sorriso estampado, pois assim como ele se abre, ele se fecha… E não posso mantê-lo fixo em meu rosto. A procura é por algo mais permanente, e isso existe de fato? Bom, a vida continua mesmo sem a minha presença, o sol continua iluminando e aquecendo a terra em algum grau mesmo após o cair da noite, não o vejo, mas está lá. Só sei porque um pouco entendo. Se sei um tanto, sustento algo sutil mesmo em meio a tudo que passa.
Pois se conheço o que há além, mais distante me faço ao longo do tempo, e se vou mais fundo, cresço, toco o que não é do tempo e que tampouco é meu. Por não ser meu, não me pesa, mas experiencio em mim e isso me constrói. Constrói minha liberdade em direção à uma consciência que lá está e fica.
E como que vejo mais com os olhos cerrados se comparado com o procurado extenuadamente a olhos nus bem abertos? E desse olhar que vê o que não possuo, me sobra aquilo que me tem. Indago se não foi assim que o sol tornou-se o sol. A luz que brilhou dentro, iluminou tanto que explodiu em chamas? E essas chamas permitem, mantêm e nutrem a vida toda ao seu redor.
Seria isso que nos sobra e vazamos em textos, arte, música e funções humanas diversas? Mas quantos de nossos vazamentos vem lá do íntimo e realmente sobram? E quantos outros sustentam-se na falta e na busca de preencher um vazio que em realidade não poderá ser pintado por tinta material?
Mas humanos somos e a matéria é a tela de nossa vida. Quadro pintado em chamas. O quanto entro ou apenas observo, o quanto asso ou me aqueço, o quanto queimo ou me protejo? Se há respostas para tais indagações mesmo não elaboradas pela mente, só poderia estar no ato de pouco a pouco acender e aumentar a luz do lampião da consciência.
Caminho pelas trilhas já iluminadas então por velhinhos e velhinhas de cabeça branca e barba longa… Mas faço minha própria jornada, pois a montanha que há em mim, é comum, mas é só minha. Mesmo que no processo eu entenda que o que sou, não detém, por mais que permaneça.
Seguimos, implodindo da melhor forma possível, para que o impacto do estouro interior aqueça e ilumine os redores.’’