Estou em meio a correnteza que me leva montanha abaixo com força descomunal, ignoro como e por qual razão. Esbarro em pedras no caminho enquanto contemplo a beleza natural no horizonte iluminado. Quão bela e perfeita é essa pintura viva percebida por todas as janelas de meu espírito. E ainda assim, continuam as dores causadas pelos impactos de tal movimento descendente ao qual estou sujeito, rumo às cavernas obscuras no sopé do morro.

Minhas aflições são como os lagos que se forjam aos pés das grandes formações rochosas, consequências naturais do caráter disso que é manifestado e que se move para baixo e para fora. Perplexo fico ao beber as águas limpas de tal lagoa, pois matam minha sede quando me sinto seco. Olho ao alto do cume e penso; que inteligência é essa que forma isso que é visível, de tal modo que provê dor e oferenda?

Brota em mim e se desenvolve no solo de minha alma o arrebatamento em dirigir-me à origem do que é. Mas o deslocamento contra a carreira d’água que me vem de encontro demonstra-se árduo, quando não impossível. Estudo as trilhas que podem me carregar mais acima. Porém, sempre encontro encostas inescaláveis até para gigantes, ou deslizes inevitáveis, que me carregam platôs abaixo. Tão pouco domínio tenho sobre minha própria jornada. E esta montanha que se opõe a mim, curiosamente também dispõe frutos que sustentam a possibilidade de continuidade.

A cada tropeço dado, a aguda lâmina do padecimento penetra mais fundo e minha visão alcança o mais íntimo. Estou vivo. Minha consciência permeia o denso e a intensa experiência sofredora na carne balança as fundações rochosas que coloquei sob meus pés. Desses terremotos que sobrevêm em minhas identidades duras, apenas a consciência e a sensação sutil de vida permanecem estáveis.

Talvez a natureza não esteja contra mim afinal? Seria ela professora de meu ser? Sinto-me torturado pelos fogos que simplesmente se contrastam a mim. Logo, admito estar me jogando voluntariamente às chamas, assim me queimando. Elas não estão ali para mim, como as tomo. Mas por contraste iluminam aquele que não se abala, evidenciam o verdadeiro observador permanente. Não posso dizer que a vida tem como propósito me liberar da jaula em que me enfiei, pois a naturalidade com que isso acontece derruba as muralhas de minha mente acostumada a construir rígidas paredes artificiais. Contudo, vejo algo mais profundo doando a vida e consequente movimento em toda realidade. Se este criador contêm uma inteligência pura, quem sabe seja apenas natural que as coisas sejam como são e levem para onde levam. Se toda a existência edifica-se num poder sapiente superior a nossa compreensão, não poderia ser diferente, não é mesmo?

Ainda assim, se me deixo levar, continuo distante do pico do morro, e as sombras aqui são frias e demasiado escuras… Portanto, mesmo consagrando as intempéries, sigo subindo, só porque me toca fazê-lo. Olho para trás, não estou só e minha trajetória é aquela que cava os sulcos que permitem a descida das águas. Tais águas mataram minha sede, e não só a minha, mas a de todos que estão por lá. Se continuo minha rota, a chuva segue caindo e não se acumula no alto, mas se espalha nutrindo as árvores frutíferas do morro, os animais e todas as baías. Pois então ofereço minha caminhada a todos os seres, e às próprias forças que estão por trás da realidade. Se dar sequência em minha andança ascendente beneficia a criação, assim sigo. Não sei se chegarei lá em cima, e não conheço as curvas que me serão exigidas. Mas as acolho, junto às caídas inevitáveis que ocorrem por meus falhos passos ou pela vontade maior.

Com amor, fluo para cima, em meio às chuvas que continuam a precipitar e me molhar. Se escorrego, vou em abraço maduro, mas me levanto. Se avanço, vou pois me contento. A prosperidade mútua, ampla e sublime é o que me move e é para onde vou, e quanto mais luz ilumina o que vejo, mais claro fica que é para cima o meu caminho.