Depois de alguns atendimentos esta semana borbulharam em minha mente lembranças da aventura que foi para chegar hoje num momento no qual me sinto contente com minhas atividades profissionais e meu dia-a-dia de pessoa adulta, com responsabilidades de gente grande.
Começou com um filme cheio de ação, daqueles com explosões para todos os lados, pois é assim que recordo da minha época na escola. Eu claramente não conseguia me encaixar lá dentro e as coisas tinham cada vez menos significado para mim. Mesmo depois de num ato de rebeldia tirar meu vagão daquele trilho eu ainda tentei fazer um ano de faculdade. O dia que fiz um trabalho escrito com muita boa vontade, que ficou todo colorido e cheio de simbolismos mas a professora não quis nem ver porque não estava na norma, representou a minha frustração daquele ano. É, pra mim não deu não… Preferi seguir por conta, entre trancos e barrancos fui me encontrando, fazendo cursos sérios e matérias isoladas, no fim foi dando certo.
Hoje eu entendo que as instituições de ensino e o sistema social em geral formatam as coisas para tentar proteger o bom resultado em uma direção específica e claro que isso pode ser bom pra muita gente. Porém, não para todos. A questão é que para podermos encontrar os nossos deveres individuais (svadharma), temos que reconhecer nossas tendências particulares (svabhāva). Isso pode aparecer dentro do currículo escolar e dos trilhos comuns do trem da sociedade ou não. As minhas tendências afloravam nas relações sociais, nos movimentos religiosos que participava, nas atividades extra curriculares livres dos moldes triviais.
Se não reconhecemos aquilo que gostamos, no que somos bons e o que nos faz sentido fazer da vida, será muito difícil sermos contentes com nosso cotidiano. Eu sei que a sociedade e o sistema não facilitam muito por diversos motivos. Também entendo que é necessário nos adequarmos em algum grau para podermos ter prosperidade no meio em que vivemos. Então esta reflexão é bem ampla e provavelmente haverão vários pontos deste meu textinho que poderão ser questionados quando olhados a partir da perspectiva pessoal de alguma outra pessoa. Mas assim, se pudermos fazer o que gostamos, de forma equilibrada e quem sabe termos os recursos vindo disso, acho que vale o esforço, mesmo que leve um tempo para chegarmos lá. Ou que pelo menos possamos preencher mais a nossa vida com ‘’nossa vida’’. Já seria bacana.
Logo que comecei a lutar contra o leão de cada dia para poder arcar com as contas e demandas de todo mês, me parecia que o certo era estar sempre trabalhando, produzindo, não podia ficar doente, nem descansar, porque isso é coisa de gente folgada. Era estranho, me sentia culpado as vezes, quando por algum motivo eu não conseguia trabalhar. Faltava tempo para cuidar da casa, da saúde, para fazer minhas práticas e estudos. Mas dava pra pagar os boletos, então tudo bem. Foi curto esse período pra mim, mas não estava bem não daquele jeito que mandava o script. O ser humano é composto de tantas esferas e deveres para que todas as fichas sejam colocadas em apenas uma. Tá aí uma mentirinha que nos disseram, mas não digam que fui eu que contei!
Ali decidi viver como acreditava e fazer o que realmente me tocava. Mas vieram uns anos de vacas magras como se diz, pelo menos eu tinha mais tempo pra cuidar de mim, das minhas relações, da casa. Ao longo dos anos fui amadurecendo e vendo como era possível equilibrar as minhas tendências (que não são reduzidas a uma única coisa) com as demandas da sociedade. De uma forma que se conectasse comigo, que não bagunçasse todas as outras áreas da minha vida e que conseguisse virar a chave que roda a engrenagem do sistema para que eu tivesse recursos. Esta não é pra ser uma dessas histórias de sucesso, a intenção é outra, cada caso é um caso e no meu sempre tive apoio quando precisei e mesmo hoje ainda tenho à melhorar no quesito financeiro e em todos os outros na realidade. Mas as coisas estão andando, bem diferente do que me disseram que era pra ser lá atrás, bem diferente do que eu imaginei e muito mais próximo do que faz sentido pra mim.
Descrevi este pequeno relato pessoal aqui, na verdade, com o intento de evidenciar a importância de em meio a tantas tintas oferecidas por aí, de marcas e marcas diferentes, nós darmos a devida atenção para encontrarmos nossas próprias cores, pois é apenas com elas que poderemos no quadro da nossa existência pintar uma singular obra de arte. Para viver com sentido, equilíbrio, alegria e servindo bem a humanidade do jeito único que cada um têm.